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Painel “E se Comunicação fosse negra?” questiona a falta de espaço para profissionais negros na área

  • Foto do escritor: Melanina Informa
    Melanina Informa
  • 24 de nov. de 2018
  • 7 min de leitura

Atualizado: 28 de nov. de 2018


Evento aconteceu na UniRitter - campus FAPA e contou com profissionais negros da comunicação


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Na noite de quarta-feira, dia 21 de novembro, o Coletivo de alunos negros do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UniRitter (FACS) realizou no campus FAPA, no auditório do prédio 4 em Porto Alegre o painel “E se a Comunicação Fosse Negra?”. O evento teve a presença do jornalista pós-graduado pela PUCRS Airan Albino, com a jornalista e escritora Fernanda Bastos e, com o jornalista e historiador Deivison Moacir Cezar de Campos, com enfoque nas temáticas raciais na área da comunicação, os palestrantes debateram sobre a os desafios vivenciados pelos profissionais negros, representatividade negra, privilégio branco e o que podemos fazer para tornar cada dia mais a comunicação negra.

O painel teve início com uma poesia autoral do estudante de jornalismo e slammer Ariel Freitas, de 22 anos, que falou sobre o racismo estrutural e institucionalizado que permeia o Brasil. Em seguida, a estudante de jornalismo Camila Silva chamou ao palco os palestrantes da noite.


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O jornalista Deivison Moacir Cezar de Campos | FOTO: Rafael Costa

Na primeira fala, o jornalista e historiador Deivison Moacir Cezar de Campos também Doutor em Ciências da Comunicação, coordenador dos cursos de comunicação, do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena na Ulbra e da área científica de Comunicação e Mídia da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, trouxe a perspectiva acadêmica do jovem negro.




Para contextualizar, Deivison relatou sua trajetória no jornalismo, a carência de um jornalismo representativo e a busca por um espaço na área da comunicação. Como primeira experiência estudantil, o jornalista contou que produzia um jornal que tinha como assunto principal os cultos afro-brasileiros e buscava memorizar a cultura negra. Em uma visão mais atual, Deivison parabenizou o evento, pois irá possibilitar que a instituição pense a diversidade de uma forma ampla com base nas reivindicações dos estudantes negros.


Na visão de Deivison é preciso mudar a estrutura racial de dentro para fora, quanto mais estivermos inseridos em todos os ramos da comunicação, mais as coisas tendem a mudar. Na esfera da perspectiva acadêmica negra, o jornalista discutiu sobre o lugar sócio-espacial construído historicamente para o indivíduo negro, que denomina-se sociologicamente como o não-lugar, que seria o oposto do lugar antropológico. O não-lugar caracteriza-se como um lugar de invisibilidade e silenciamento, onde o negro não tem sua identidade construída. Por isso, Deivison fala que é comum, nos estádios de futebol os xingamentos de “macaco” pois no não-lugar o corpo negro é visto como não humanizado, visto que, os negros foram inseridos desta forma no ocidente.


Ainda sobre o assunto, o jornalista acredita em um imaginário do ocidente, onde se tem em mente a figura do não humano ligado aos indivíduos negros, logo, questões como o escravismo são ligadas a um imaginário do negro como um animal. Atualmente, questões como a imigração de pessoas negras para o Brasil, são mostradas na mídia sobre a mesma perspectiva do imaginário escravista. “Então, se a comunicação fosse negra ou para a comunicação ser negra, a gente precisa virar tudo” completou Deivison.


O jornalista e historiador falou ainda sobre o carnaval e a construção errônea do pensamento coletivo de que o carnaval viria das festas italianas, segundo Deivison, o carnaval é uma manifestação cultural com origens na região hoje atualmente se encontra a Angola. Neste sentido, há uma ideia de apagamento ou transformação da cultura negra.

Em um segundo momento, Deivison mostrou uma pesquisa feita pelo G1, na qual é apontado que atualmente há 400 mil professores de ensino superior, dos quais apenas 17% são negros e negras. Os dados ficam ainda mais alarmantes, em todas as universidades federais no Brasil, existem apenas 682 mulheres negras lecionando. Esses dados compreendem bem como está sendo travado o atual embate dos negros na academia.


Na esfera da comunicação, Deivison conduziu uma pesquisa a dois anos, em um cenário onde exista vinte e dois cursos de jornalismo no estado, ele buscava entender como a diversidade estava sendo pensada e trabalhada pelos cursos. A conclusão da pesquisa, compreendeu que o comprimento da lei 10.639 se dá somente em disciplinas transversais em atividades de extensão, indo totalmente contra ao real sentido da lei, consequentemente dando margem para a ignorância. Logo, a função dos NEABI dentro da universidade é tencionar que instituição cumpra a lei e também com o objetivo de produzir referencial.


O imaginário do branqueamento racial pode ser visto na pintura “A redenção de cam”, o qual coloca o negro na invisibilidade e como um ser amaldiçoado que necessita passar pelo processo de descoloração para ter a redenção. Deivison coloca isso, na âmbito da área da comunicação, como um sistema no qual a comunicação formada por brancos não importa-se em visualizar de forma real os negros. Logo, o discurso de que não existe representatividade negra por falta de indivíduos é usada como argumento racista, visto que, na mídia a representação de negros só acontece quando diz respeito a jogadores de futebol e músicos.


Para o jornalista, existe uma lógica do não ser, onde as referências negras são invisibilizadas dentro do Brasil, fazendo com que os indivíduos negros busquem suas referências fora do país. “Porque o Brasil é um país de brancos, um país para os brancos”. Deivison ainda argumentou que a emissora Globo, a maior rede televisiva brasileira, está começando a se abrir para os movimentos sociais, ainda que muitos de seus conteúdos venha com certos estereótipos.


Por último, Deivison falou sobre o racismo como sendo um problema dos brancos, onde os negros são vítimas. Porém, é indispensável pensar na escravidão sem pensar no capitalismo, sendo que o primeiro ajudou a alavancar o segundo. Nesse sentido, estudos são voltados para se estudar a patologia social do branco brasileiro. Consequentemente, ainda à uma opressão muito evidente em vários lugares brasileiros, o que leva muitos indivíduos a se omitirem e muitos outros a resistirem. Contudo, os grandes momentos da resistência negra surgiram por mulheres negras. “Essas mulheres nos conduziram até aqui. É importante reconhecer isso” conclui Deivison.


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O jornalista Airan Albino | FOTO: Rafael Costa

O segundo palestrante a falar foi o Airan Albino, jornalista formado em 2014 pela PUCRS. Mesmo sendo jornalista ele possui trabalhos na área de sociologia. Em sua vida profissional ele trabalhou na CONCEPA e no meio jornalístico trabalhou com o repórter da RBS TV e atual repórter da Rede Globo, Manoel Soares. Airan comentou sobre sua insegurança após o término da faculdade sobre se ia ou não conseguir trabalhar na área.


Durante a palestra ele mostrou dados bem surpreendentes. O primeiro dado mostrava que o Brasil é o segundo país com mais negros no mundo, cerca de 54,9% da população brasileira é negra, dentre esse percentual 8,75% estão empregados.


Outro dado relevante é das Agências de Publicidade onde a cada 1000 funcionários, menos de 35 são negros, o que mostra que ainda existe desigualdades por questões raciais. Outro dado da mesma pesquisa, é que não tem mulheres no cargo de chefia, o que mostra outra desigualdade no mercado de trabalho.


Um dado mais da área jornalista, apresentado por Airan, é de que 72% dos jornalistas brasileiros são brancos e apenas 23% são negros. O Rio Grande do Sul tem a maior quantidade de jornalistas, tirando a região Sudeste. Um outro ponto abordado por ele trás um contexto histórico na área de comunicação, onde a imprensa no Brasil foi criada em 1808 e só em 1824 pessoas negras entraram no jornalismo.


Ele participa de um projeto chamado Nonada - Jornalismo de Travessia, que desde 2010 busca relacionar as diversas formas de expressão artísticas com temas voltados aos Direitos Humanos, ele entrou em 2015 onde fez a pauta sobre os Territórios Negros, que foi um projeto em conjunto com a Carris, onde existia uma linha que passava por todos os territórios negros em Porto Alegre, como no Mosaico do Bará que fica localizado no Mercado Público. Ele também ficou 18 dias escrevendo sobre a Feira do Livro de 2018.


Um ponto muito importante de ressaltar foi de Airan, e os outros palestrantes, reforçaram que eles, na área da comunicação, não tem voz e de que ainda não existem espaços para os seus projetos, e de outras pessoas, concorrerem a prêmios, pois não possui uma categoria sobre discussões raciais, e acabam sempre se juntando com os pesquisadores sobre questões de gênero.


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A jornalista Fernanda Bastos | FOTO: Rafael Costa

Por última, mas não menos importante, a jornalista e escritora Fernanda Bastos, formada em Letras pela UFRGS, Mestre em Comunicação e Informação pela Fabico, autora de Dessa Cor (Figura de Linguagem, 2018) e atualmente servidora pública estadual, falou sobre o espaço da mulher negra na comunicação.




Fernanda contou sobre sua vivência nas instituições de ensino, na escola poucos colegas seu alcançaram o ensino superior. Ela também conta que foi através das políticas públicas no governo Lula que conseguiu uma bolsa de estudos. Para a jornalista, o negro tem uma experiência de infiltração no sistema, buscando fazer parte de alguma forma.


Para Fernanda, há um certo comodismo das pessoas brancas, em sempre buscar os negros para assuntos que abrangem a temática racial, por acharem que seu espaço de ação está limitado. Ainda na esfera social, as mulheres são vistas como as principais motivadoras para mudar o mundo, mas ainda, no que diz respeito às mulheres negras, estas encontram-se nas pontas.


A jornalista ressaltou que é preciso reconhecer os feitos da negritude, “É preciso reconhecer os nossos, percebemos como seres realizados e notar o quanto já fizemos” evidenciou Fernanda. Pois é nítido que o branco já saiu a muitos anos na frente, e para ilustrar isso Fernanda trouxe a metáfora de que para haver realmente igualdade racial, seria necessário que na corrida as pessoas brancas tirassem os tênis e dessem para as pessoas negras que estão correndo descalços. Porém, a branquitude não está disposta a dar os tênis.


Porém isso não impede que os indivíduos negros e negras se posicionem, Fernanda ressalta que é importante ser didático e firme na área da comunicação, pois ela ainda é extremamente racista. Ainda sim, é importante também estabelecer pontes, entre mulheres negras e mulheres brancas, para a construção de uma produção de conhecimento amplificada.


A ambiguidade dos profissionais negros é necessário, Fernanda diz que, é preciso dominar tanto o campo do conhecimento branco como o campo do conhecimento negro para que possa ser estabelecido essas pontes. Logo, “a comunicação sim, é negra, porém ela é apagada” comentou Fernanda. Para estabelecer mudanças, ela ressalta que uma rede de informação é uma forma de funcionamento para muitos avanços.


Ao final da fala dos palestrantes, o aluno de jornalismo e slammer Luka Pumes recitou um poema autoral sobre a luta de resistência frente ao racismo. Em seguida, o evento abriu espaço para perguntas para os palestrantes, o público debateu sobre as temáticas raciais apresentadas pelos convidados e convidada. Ao final do evento, o estudante de jornalismo e poeta Mateus recitou seu mais novo som que será lançado em breve, a música fala sobre a vivência e a representatividade da negritude.



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