Do SLAM ao jornalismo, o estudante Luka Pumes é inspiração para a juventude negra
- Melanina Informa
- 20 de nov. de 2018
- 9 min de leitura
Atualizado: 28 de nov. de 2018


Em entrevista realizada no dia 16 de Novembro, Luka Pumes, 20 anos, estudante de Jornalismo e participante do Slam - que é uma competição onde poetas leem ou recitam seu trabalho original trazendo consigo críticas sociais - falou um pouco sobre sua trajetória no Slam e sobre a resistência negra na sociedade através da arte. Além disso, falou sobre a escolha da faculdade de Jornalismo e seus trabalhos como poeta.
Leia a entrevista completa abaixo:
Melanina Informa: Conta um pouco pra gente sobre a tua trajetória no Slam. Como começou, tuas conquistas e os teus próximos passos na poesia.
Luka:" Minha trajetória com o Slam começou no primeiro Slam RS que teve. Eu fui jurado desse, mas na verdade o Slam funciona com inscrições, tem que chegar, dar teu nome e aí ser sorteado se tiver mais participantes do que o evento pode comportar. Naquele Slam eu não fui sorteado, mas eu fui preparado porque eu queria muito fazer poesia e aí como não deu pra ser, fui alí e conheci um pessoal.
Acabei indo pro júri e tinha o Bryan Grilo que foi campeão do RS 1, ele simplesmente arrasou a noite e eu olhei bem pra ele e pensei: “Poxa ainda bem que eu não participei hoje porque eu não teria condições nenhuma de fazer nada perto desse cara”. Passou um tempo e fui para o Slam 2, comecei a evoluir e a B4nking, que é uma marca de roupas, mas na verdade eu acho ela muito mais que uma marca de roupas, acho um conceito, ela se posiciona, agora sobre o momento político do país, ela tomou o lado, que foi o lado antifascista, importante ressaltar. Então, a B4nking propôs um patrocínio para eu utilizar as roupas nos eventos, nas entrevistas, etc, e foi muito legal.
A partir desse momento tudo foi acontecendo, até que chegou o Slam RS que eu venci e cheguei na final justamente com o Grilo, que foi o cara que eu vi lá no começo e me chocou. Ganhar dele, não foi “nossa, ganhei do Grilo...”, foi “nossa, estou no caminho certo!”, uma honra pra mim, não vi isso como “sou bom, ganhei dele”, me senti honrado porque para mim ele é um mestre, ele foi um mentor.
Depois foi muita alegria pra mim, ir nos eventos, ser convidado para feira do livro, festival de Rap, pra dividir palco com Djonga, Matuê, tocar no mesmo dia, no mesmo palco que esses caras, é incrível.
O próximo passo agora é investir mais na carreira musical. Vou voltar pro Slam, porque eu tive um tempo parado, eu tive um tempo de reflexão, um tempo de analisar minhas letras e ver o que eu quero fazer pro futuro. Ano que vem eu volto, esse ano eu não tentei concorrer a nada, mas no próximo eu volto com bastante força, bastante vontade. A minha meta principal agora é investir na minha carreira musical mesmo".
Melanina Informa: Quando tu começou a ir no slam, a fazer poesia falada, como as pessoas próximas de você reagiram, elas já te ouviram?
Luka: "Minha mãe no começo não entendia muito, mas ela nunca se opôs a isso. Ela achava meio ruim eu ir de noite para o centro, por exemplo. Mas eu já frequentava batalhas de sangue, como falam, de improviso, normalmente era tarde também e ela não dava muita bola, mas quando eu comecei a ir concorrer, a sair de casa preparado, ela via que era de noite e não gostava muito, ela nunca falou nada, mas tu sente porque a mãe deixa transparecer.
Na final Regional, ela foi, meu pai e minha tia avó também. Meu pai é um cara meio inflexível, ele é meio “durão”, meio bravo, mas ele é bem pela arte. Ele é fã do Roger Waters, inclusive a gente foi no show que teve no Beira Rio, ele que me ensinou a gostar de Pink Floyd, Led Zepplin. Quando me assistiu, ele disse: “filho, você é muito bom.” Fiquei feliz... Minha mãe elogiando e meu pai também, em poucas palavras, mas valeu tanto quanto o dela, porque ela se abre e ele não é disso".

Melanina Informa: A gente percebeu que a tua performance no prêmio Rymsza foi bastante significativa para você. Conta um pouco sobre a performance e qual foi a sensação de apresentar na faculdade?
Luka: "Esse número, 'O Photoshop do Preto', ele é um número que eu não posso apresentar no Slam, porque no Slam não pode nenhum elemento cênico, então é meio ruim tu pensar e escrever um número com maestria e não poder executar. No prêmio Inquieto, ano passado, eu apresentei, e depois em mais dois lugares em Porto Alegre. Depois eu saí em uma mini turnê com um palestrante que falava sobre bebida na adolescência e etc, e fazíamos esse trabalho em conjunto. Daí a gente foi em cidades tipo Ipê, que é uma cidade próxima de Caxias do Sul, majoritariamente branca, e eu pude fazer a performance pra essas pessoas, levar o meu número pra essas pessoas em praticamente todo o canto do estado. Isso foi bom pra mim. Quando eu voltei pra Porto Alegre eu pensei que eu tinha que encerrar onde eu comecei e aí surgiu a oportunidade de fazer no Prêmio Rymsza. Foi maravilhoso voltar ao palco onde tudo começou, no caso desse número, pensar em todas as vezes que eu apresentei fora daqui, e tá ali de novo, porque meio que encerrou um ciclo pra mim".
Melanina Informa: O slam tornou-se símbolo de resistência no Brasil. Como tu, fazendo parte, observa esse movimento?
Luka : "É muito legal que o Slam surgiu nos Estados Unidos como uma competição de poesia simplesmente, ele não tinha esse viés da resistência, esse viés político, mas por ser numa época em que o Notorius B.I.G, o Tupac Shakur, East Side, West Side, simplesmente tomaram conta do país com o HipHop, assim crescendo, eles simplesmente fizeram com que as pessoas tivessem vontade, eles possibilitaram que as pessoas pudessem falar sobre as temáticas do gueto.
No Brasil ele já chega com essa cara mais política, chega mais evoluído. Se no Slam tu quiser fazer uma poesia sobre como a vida é bonita, sei lá, pode fazer, mas talvez tu não tire dez porque tu não vai tocar tanto as pessoas, mas tudo é questão do poeta. O Slam chegou com essa cara porque ele já está em outra fase, ele já passou pela evolução fora daqui e aqui a gente tem esse negócio do, vou reformular a frase, aqui a gente tem uma parcela da população muito marginalizada, e é da parcela marginalizada que saem os expoentes do rap e naturalmente o pessoal do rap se torna o pessoal do Slam aqui no Brasil.
Essa temática não podia ser diferente eu acho, tem que ser resistência, tem que ser o espaço de fala e de escuta, tem que ser tudo. Se não fosse assim, perderia a graça, perderia o engajamento, o movimento morreria em, sei lá, seis meses, teria um Slam e acabou. Tem que ser resistência, tem que ser desse jeito, as pessoas que vão, normalmente são as mesmas pessoas todo final de semana, mas sempre levando uma ou duas pessoas diferentes, o que faz com que a tua poesia esteja sempre chegando em novos ouvidos.
Essa é a forma com que tu pode manter o contato mais próximo com o ser humano que não tenha a mesma visão que tu tem, porque naquele momento ela tem que ficar em silêncio e tu tem todo o direito de fala, então ela vai te ouvir e tu vai poder passar pelo menos uma ideia pra ela. Se ela vai absorver ou não, é com ela, mas a chance de tu mudar uma posição que, na tua visão pode ser errônea, é muito grande, quando tu te abre, quando tu abre o teu peito realmente, quando se faz poesia tu abaixa a guarda, tu mostra quem tu é da forma mais sensível possível e quem tá do outro lado vai absorver isso com mais facilidade".

Melanina Informa: Qual a importância do slam na tua vida como jovem negro?
Luka: "Total. Modificou totalmente tudo o que eu queria ser na minha vida. É maravilhoso poder unir o Jornalismo ao Slam, o Slam ao Jornalismo, e tudo isso, porque lá trás eu sempre fui fascinado por Rap, então é maravilhoso, me dá uma posição na sociedade de pessoa que não vai só baixar a cabeça, que não vai só ouvir, não vai só ficar recebendo ordem. Eu vou propor, eu vou propor ações, eu vou executar ações e vou fazer com que ações aconteçam com outras pessoas também, eu vou possibilitar que outras pessoas cheguem na rua e tenham coragem de falar, é inspiração, é muito mais pelos outros jovens negros do que por mim mesmo, é uma vontade que transcende, é muito maior do que cabe".
Melanina Informa: O que levou você a escolher o jornalismo?
Luka: "Na verdade, não tem tanto a ver com esse viés de resistência, é mais por gostar de comunicação. Mas um pouquinho antes de fazer a matrícula eu passei aqui em Publicidade, na verdade. E aconteceu aquela tragédia, eu acho que foi no Realengo, dos jovens que foram assassinados pela Polícia Militar com mais de 200 tiros de fuzil, e tentaram implantar arma no carro que eles tinham saído pra comemorar o emprego de um dos meninos.
Aquilo foi muito forte e eu fiz um texto que acabou dando uma repercussão muito grande na internet. Eu tive que excluir o original e depois eu coloquei de novo quando eu comecei a trabalhar, mas na minha escola, a professora entrou na sala chorando, me agradecendo por aquilo e eu percebi que a escrita na comunicação era muito mais forte do que ser movido por ideias, que é o caso da Publicidade. A escolha da comunicação teve a ver por gostar de comunicação.
A escolha do jornalismo, primeiramente isso, mas também pelo prazer de colocar pra fora sabe, de ver que as pessoas se tocam pelo que eu escrevo. Eu não quero dizer: “Ah, foi pela tragédia e a tragédia me motivou”, eu vou estar crescendo em cima de algo que não é verdade, mas simplesmente porque eu gostei de ver que as pessoas se sentiram tocadas pelas coisas que eu escrevi e foi muito forte".
Melanina Informa: Como você observa o teu trabalho com o slam e o fato de ser jornalista? Há uma relação?
Luka: "Tem. O Slam informa também, porque os ouvidos leigos quando chegam no Slam, saem pensando coisas diferentes. Me lembra muito o jornalismo quando tu faz uma crônica, quando tu tá ali no literário, tem tudo a ver. Inclusive eu já consegui fazer trabalhos na faculdade tendo viés no Slam, e agora na cadeira de Texto Jornalístico, eu tô pensando em fazer a apresentação do meu livro em forma de poesia.
É muito palpável as duas coisas, tu consegue mesclar de um jeito tão gostoso que eu não consigo mais me ver fora do Jornalismo nem fora do Slam. Se eu estiver no Slam, o meu caráter jornalístico está lá dentro também, eu tô informando lá. E quando eu estou na faculdade, o meu caráter de poeta está transformando cada palavrinha em algo mais especial nos textos".

Melanina Informa: Na sua opinião, quais os desafios que os jornalistas negros mais enfrentam na área de comunicação?
Luka: "Essa é uma questão muito delicada né, sempre que eu vejo um jornalista negro na televisão eu me sinto feliz. Mas dentro da televisão, não só do jornalismo né, atores, etc, sempre foi muito escasso a presença de nós negros. Então sempre que eu vi, eu me senti representado dentro do jornalismo.
Mas especificamente, eu acredito que seja na proposição e execução das pautas, porque a gente vende uma realidade diferente, a gente tem uma uma visão de mundo diferente e muitas vezes quem tá do outro lado da mesa, no caso o editor, o produtor, eles podem não ter essa mesma visão, eles podem dizer que tal temática não é tão importante.
Eu acho que talvez esse seja o mais próximo que a gente tem que combater hoje, porque a nossa presença lá vai acontecer daqui a pouco, já está acontecendo e vai continuar porque a gente está batendo na porta e estamos mostrando que é qualificado. Eles vão ter que abrir a porta para a gente, mas o que eu mais vejo como desafio é isso, conseguir mostrar que as coisas que achamos importantes realmente são, porque no momento que é a comunicação se tornar negra, que o outro lado da mesa também for negro, vamos conseguir fazer o jornalismo do nosso jeito".
Melanina Informa: O empoderamento da negritude é cada dia mais visível. Qual a tua visão pro futuro da comunidade negra?
Luka: "A melhor possível. Ver o pessoal gostando do próprio cabelo, ver o pessoal se olhando no espelho e se achando bonito, fazendo letras de ego-trip, que é enaltecendo o próprio ego, mostrando que acreditamos no que falamos e é a melhor coisa pra nós, isso vai gerar uma auto-estima imensa para as próximas gerações.
Lá em casa, as mulheres sempre alisaram o cabelo e eu cresci em um ambiente onde isso era comum, em que eu não podia ter o cabelo grande, porque minha mãe é muito autoritária e ela dizia: “Não, abaixa esse cabelo, deixa pequenininho” e eu não queria deixar o cabelo pequeno e ela: “Ah não, então vamos alisar, vai deixar crescer, vamos alisar”. Eu tinha que alisar o cabelo e eu não gostava de alisar, mas para ter o cabelo grande eu alisava, até que um dia eu me rebelei e fale: “Não, vou fazer do meu jeito, é o meu jeito”.
Então ver o pessoal gostando de ser do próprio jeito é uma evolução muito grande, principalmente em relação a geração dos nossos pais. A nossa geração já traz essa auto-estima mais elevada e eu acredito que os nossos filhos já vão nascer reis e rainhas".
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