Representatividade negra: Oscar, você está fazendo isso errado!
- Melanina Informa
- 28 de fev. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de mar. de 2019

Para falar de representatividade negra no Oscar, precisamos partir do inicio. O Oscar foi criado em 1927, sendo a premiação de cinema mais aclamada no mundo e uma grande referência para o que se tem de melhor em filmes no ano. Porém, a primeira indicação a um negro, foi na Cerimônia de 1940, ou seja, treze anos já haviam se passado sem que nenhum profissional negro sequer tenha chegado perto da estatueta de ouro.

A indicada em questão foi a atriz Hattie McDaniel, que levou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por interpretar uma empregada em “... E O Vento Levou” (1939). Ainda que sob papéis estereotipados, os afro-descendentes passaram a ser vistos nas premiações seguintes. No entanto, um levantamento feito pelo Estadão em 2016 aponta que do Oscar 1927 ao Oscar 2016 apenas sessenta e seis negros foram indicados e somente dezesseis foram premiados até então. Recentemente no Oscar 2014 a #OscarSoWhite denunciou a falta de indicados negros daquele ano, deixando claro que tanto a indústria cinematográfica como a Academia ainda continuavam em sua maioria racista.
Agora em 2019, quase cinco anos após a #OscarSoWhite, a Academia revive outros temas preocupantes. Entre os indicados de melhor filme estavam “Pantera Negra” (2018) - um fenômeno mundial por apresentar um super herói negro e colocar em tema a ancestralidade africana, o colonialismo e o roubo das riquezas da terra africana para um público mainstream. “Infiltrados na Klan” (2018) - o mais novo filme do famoso diretor Spike Lee conhecido por seus filmes sobre personagens negros para o público negro. Em Infiltrados na Klan vemos Ron Stallworth, primeiro policial negro a trabalhar na Polícia de Colorado Springs que se infiltra no grupo racista Ku Klux Klan. Spike Lee faz história ao reforçar que o discurso de ódio aos negros pouco mudou dos anos 70 para cá, apenas foi camuflado.

Tanto Infiltrados na Klan como Pantera Negra, são filmes relevantes para a comunidade negra e para o público em geral. Pois através de pessoas que estão inseridas na comunidade ambos os filmes conseguem dialogar com profundidade e construir críticas pertinentes. Mas por mais controverso que seja, o filme que venceu na categoria de Melhor Filme foi “Green Book” (2018), o que causou muita surpresa nas redes sociais. Isto porque, o longa conta de forma contestável a historia do renomado pianista negro Don Sirley que contratou o ítalo–americano Tony “Lip” Vallelonga para ser seu motorista em uma turnê pelo sul segregacionista, criando uma forte amizade entre eles.
As polêmicas já começaram na produção do filme, visto que, o filho de Tony, Nick Vallelonga, um dos roteiristas e produtores do filme, endossou uma afirmação falsa e xenófoba do presidente Donald Trump em seu twitter. O tweet dizia que assim como Trump, ele também teria visto muçulmanos comemorando o 11 de setembro em New Jersey, o detalhe aqui é que Mahershala Ali, o ator que interpretou Don Sirley e ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Green Book é muçulmano. Outro fato, envolve o diretor do filme, Peter Farrelley. Em 1998 a revista Newsweek denunciou os constantes assédios sexuais do diretor que tinha o hábito de expor sua genitália para funcionários de seus filmes, principalmente atrizes.
Peter Farrelley já se desculpou publicamente, ainda assim, nem só de polêmicas nos bastidores Green Book aterroriza. Para exemplificar, o longa não teve a autorização da família de Don Sirley e seus descendentes ao verem o filme não gostaram de como a adaptação foi construída. O pianista não era afastado de sua família e tão pouco tinha uma grande amizade com Tony, segundo o irmão de Sirley, “uma sinfonia de mentiras”.
Se ainda faltam motivos para encarar Green Book como sendo uma grande jogada de “passar pano para brancos” da Academia. Falta explorar o filme em si, ao longo das duas horas vemos uma clara representação de um filme feito por brancos sobre negros para brancos. “Como assim você nunca comeu frango frito?” , Tony se encarrega de "ensinar" a Sirley sobre sua cultura , o que soa prepotente demais para um filme que tenta passar um mensagem sobre racismo.

Nick Vallelonga e Peter Farrelley criam um imaginário surreal que estamos cansados já de ver nas telas. Lá vai o homem branco herói salvar o homem negro vítima de racismo mais uma vez. É quase uma síndrome da Princesa Isabel, na qual o negro não tem ação perante o que está sofrendo, não sabe lidar com aquelas situações e precisa de um defensor, o homem branco. Então, este irá resolver seus problemas e lhe ensinar uma grande lição sobre sua cor.
A Academia mais uma vezes escolhe o mais seguro, o mais conservador, o mais enfeitado para passar uma mensagem, a de que homens brancos ainda decidem as representações negras no cinema. Mas nem tudo está perdido, o Oscar 2019 teve uma grande representatividade negra também, sendo a premiação com o maior número de profissionais negros levando a estatueta. Só resta saber se um dia negros e negras poderão ter a devida representatividade do cinema.
Confira os sete premiados:
- Regina King (Atriz Coadjuvante, "Se a rua Beale falasse")
- Mahershala Ali (Ator Coadjuvante, "Green Book: O Guia")
- Spike Lee (Roteiro adaptado, "Infiltrado na Klan")
- Kevin Willmott (Roteiro adaptado, "Infiltrado na Klan")
- Hannah Beachler (Direção de arte, "Pantera Negra")
- Ruth Carter (Figurino, "Pantera Negra")
- Peter Ramsey (Animação, "Homem-Aranha no Aranhaverso")
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